Já se passaram dez anos e parece que foi ontem. A última vez que estivemos juntos foi no dia 06 de junho de 1997 na Galeria Açu-açu em Blumenau. O dia amanheceu chuvoso. Encontrei a Galeria fechada e fiquei esperando um pouco. Fiz bem, ele apareceu no começo daquela tarde, vinha acompanhado do compositor Geraldo Vandré. Fomos apresentados e brinquei afirmando que aquele nome não me era estranho, o que criou um clima de descontração.
Foi somente no meio da tarde, depois de muitos cafezinhos, bom papo e risadas, algumas fotos batidas por mim e pelo Bell, que me dei conta da data, estava completando 42 anos naquele dia. Rimos da lembrança extemporânea.
Uma hora passeando pela Galeria, lembro que paramos em frente de um quadro do Martinho de Haro, representando um desenho do Dom Quixote, conversamos sobre o Victor Jara e o Estádio do Chile onde o poeta tinha sido torturado e morto. Vandré questionou a verdade daquela história o que confirmou uma dúvida de que, embora tais lapsos não ocorressem com freqüência, alguma coisa acontecia e ele parecia não ser mais o Geraldo Vandré que o nosso imaginário cultuava.
Bell fazia aniversário no dia 02 de dezembro, “Dia dos Finados”, costumava dizer que nunca tinha feito uma festa porque não fazia sentido festejar algo numa data em que todo o mundo pranteava os seus mortos. Porém, ele estava em vias de completar 60 anos e prometia não deixar a data em branco, não naquele ano. Não queria presentes, afirmou, mas a todos que convidava para a celebração, pedia que levassem livros, usados, lidos, duplicatas, enfim, com aquelas doações pretendia montar uma biblioteca em Timbó, sua terra natal.
Preparei uma caixa contendo 60 livros, de várias áreas, mais de literatura, justa homenagem ao nosso poeta mais conhecido no Brasil. Desde a década de 1970, quando vivíamos às turras por questões culturais, em todos os lugares em que fui, a primeira pessoa pela qual perguntavam quando sabiam que eu vinha de Santa Catarina, era pelo Lindolf Bell.
No dia de viajar para Timbó, recebi um telefonema afirmando que o Bell tivera um problema no coração e morrera. Já está tornando-se um lugar comum dizer que um poeta tem problemas no coração, trocadilhos à parte, todo o poeta que conheço sofre do coração.
Permaneci vários meses com aquela caixa de livros no carro. Um dia deixei com alguém em Blumenau (não consigo me lembrar quem foi), um amigo ou amiga comum que se prontificou em levar os livros até a Casa do Poeta, hoje uma referência cultural na cidade de Timbó. Well, o presente chegou ao seu destino, finalmente.
O Bell viveu a sua condição de poeta. Conheci mais dois em Santa Catarina que renunciaram às ditas comodidades de uma vida respaldada num curso universitário e uma aposentadoria posterior para depois escrever. Digo renunciaram, decidiram serem poetas em tempo integral, são eles os poetas Marcos Konder Reis e C. Ronald.
Um exemplo do modus operandi do poeta: uma vez o Bell sofreu um acidente de carro, na sua variant azul, quando foi socorrido pela polícia que pretendia levá-lo para o hospital, limitou-se em afirmar que “poeta não entra em carro de polícia”... A frase ganhou vida própria, celebrizou-se junto com ele que voltou a pé para casa.
Quando recitava poemas em praças públicas no meio da multidão, utilizando as técnicas que aprendera num curso de dramaturgia em São Paulo, Bell parecia incorporar o espírito do revolucionário russo Vladimir Maiakovski, poeta igualmente, que se valia das camisetas e dos outdoors para divulgar os seus versos e de quem se inspirava para levar avante a sua Catequese Poética, movimento inovador de inquietação e despertar de consciências.
Dez anos se passaram e continua servindo de alento a tua mensagem numa camiseta aqui em casa “Hoje, mais do que nunca (mais do que sempre) meu desamor também é amor!”.
Grande Lindolf Bell, nosso Rei !!!!! Sempre entre os melhores poetas. Tive o prazer de conhecer e levar o figura em Curitiba, onde deu palestra na PUC.
ResponderExcluirRicardo Weg.