Perguntaram para o escritor Gustave Flaubert quem era “Madame Bovary”, personagem principal de seu romance mais conhecido, ele respondeu: “Madame Bovary sou eu”.
O que quer dizer isso? O criador se comparando (até assumindo) a criatura? Não é fácil, mas é inteligível. Como não se cria nada do nada, um autor sempre acaba se distribuindo em seus personagens, difícil que isso não aconteça. O grande escritor, porém, tem o material sob controle e administra-o em doses homeopáticas, de tal sorte que esses elementos só se tornam identificados por aqueles estudiosos que conhecem a vida do criador profundamente.
Abstraindo o fato de ela ser mulher (poderia ser um homem e exercer outra espécie de arte) bonita com um olhar absolutamente infernal, rica de berço, ter casado com um milionário, depois se separou, por acreditar e perseguir um sonho. Com um talento para a composição e principalmente, uma voz inconfundível, ter feito sucesso no Brasil e no exterior, de ter êxito com o seu trabalho tornando realidade àquele sonho, ela continuou contestada a vida toda.
Qual é, então, a questão?
Fazer sucesso no Brasil, já dizia o Tom Jobim, é ofensa pessoal!
Do ponto de vista da arte, aquela sensação de vazio, de que não importa até onde se possa chegar, sempre está faltando alguma coisa, pode acompanhar todo o artista consciente, porque a arte (musical, literária...) qualquer que seja a escolha feita, é um caminho apenas, não é tudo.
Como na obra “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carrol (o livro que o John Lennon disse que gostaria de ter escrito) em que Alice pergunta para o coelho “qual é o caminho?”. O coelho indaga aonde ela quer ir? Ela responde que não sabe. Então o coelho responde: se você não sabe aonde ir, tanto faz o caminho!
Tanto o sucesso quanto o fracasso são difíceis de levar, disse o escritor americano Hoseph Heller “Com o sucesso vem as drogas, divórcio, sexo, arrogância, viagens, remédios, depressão, neurose e suicídio. Com o fracasso, vem mais fracasso”.
Mais ou menos o que a minissérie mostrou.
Tenho uma grande identificação com a Maysa: o cinismo, a obsessão pelo que fazia, a falta de comunicação com as pessoas certas, não se importando pelo que os outros pensavam.... Isso tudo além do uísque...
A vida privada que alguém leva (com o ethos e o pathos inerentes) não deveria ser alvo de maior atenção que a arte produzida por um talento que tal artífice seja capaz de revelar. A menos que, por um desvio de conduta, estejamos tão doentes que preferimos apreciar o fracasso dos sentidos, diante de tentações corriqueiras frente às quais nós mesmos sucumbimos, em detrimento de assistir o triunfo da vontade obsessiva, impondo-se em momentos de lucidez, aos destroços em que chafurdam essas mazelas e produzindo uma arte maior que lhe redime de qualquer pecado cometido.
Depois que um artista morre, fica o que ele fez. Se for bom, continua cultuado.
No caso da Maysa, não me canso de ouví-la. A composição “Adeus” ela escreveu quando tinha 12 anos, para se ter uma idéia. Evidentemente para a imprensa da época (talvez hoje não se desse tanta importância) mostrar a Maysa Matarazzo (ao invés de Monjardim como ela preferia ser chamada depois que se separou) nua embaixo de uma cachoeira num lugar bucólico produzia maior efeito na pasmaceira mundana e conservadora do que mencionar um poema exprimindo sentimentos de ordem superior, identificados por uma minoria incapaz de alterar substancialmente a venda de qualquer publicação, até mesmo as sensacionalistas, onde tal poema sequer teria guarida.
Por não entender a dor recusamos à obra que ela inspira. Essa é a maldição que todo gênio carrega e com Maysa não foi diferente...
Pessoas felizes não produzem arte, apenas decoram interiores!
(Publicado no jornal A Notícia)
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