01 novembro 2008

OS VIKINGS TAMBÉM AMAM

Para Charlie Anderson

por Olsen Jr.

Ele me ligou para saber onde eu andava e se podia me encontrar. Respondi que iria para casa em alguns minutos e que o esperaria. Para surpresa minha, quando cheguei ele já estava manobrando o seu carro no estacionamento em frente, quer dizer, tinha chegado antes de mim. Tal constatação era, no mínimo, curiosa, indicativo de que precisava, realmente, de conversar comigo, mas na hora não juntei uma coisa com a outra.

Beijei-lhe o rosto, como sempre fazemos, e subimos para casa. Ofereci um café ou um chá com bolachas de gergelim, nada engordante, porque respeitava o seu empenho em perder peso, e também precisava mostrar boa vontade com o meu próprio. A namorada dele aprovou a medida. Formavam um belo casal, jovem e cheio de idéias, o mais importante, com disposição para executá-las.

Percebi certa inquietação dele. Foi até o computador verificar algo e voltou em seguida, parecia contrariado, não perguntei no que ele estava interessado, e também o que o estava incomodando, penso nisso agora, só depois que ele saiu, aliás, só me detive em pensar nisso, à noite.

Dei a maior força quando eles comentaram o desejo de alugar um apartamento próximo do local onde trabalhavam. Era um estresse a menos, ter de sair mais cedo de casa para evitar todos os dias o trânsito, algo louvável, além de mais econômico, afinal era pelo menos 70 km a menos no dia-a-dia.

As pessoas irrequietas acabam contagiando o ambiente, culminamos absorvendo aquele desconforto como se fosse nosso, de repente, também comecei a me incomodar, afinal tudo estava muito transparente, mas ele não dizia nada e também não perguntei coisa alguma, vejo agora que me comportei como um cretino, afinal, não era demais mostrar um interesse pelo que o afligia, enfim, éramos suficientemente amigos para que tal investida não parecesse intromissão ou curiosidade indevida em algo que poderia não ser da minha conta.

Bebemos o chá com aquelas bolachas e conversamos sobre amenidades, futebol, a presença do “Queen” no Brasil, os cuidados para se tomar no caso de ir até São Paulo para assistir ao show já anunciado... Mas a inquietação, embora estivesse controlada, ainda era visível.

Curioso é que só tenha pensado nisso depois que eles saíram. Não posso nem atribuir a esta minha timidez crônica a iniciativa de ter conversado com mais vontade, interesse, perspicácia, compreensão, maturidade, como alguém, afinal de contas, que deveria estar ali pronto para, entre outras coisas, ouvir qualquer aflição partindo dele(s), era uma obrigação, reflito agora.

Enquanto estou meditando no que deveria ter dito e não disse, no que deveria ter feito e não fiz, assoberbado por uma consciência que me cobra uma atitude, ainda que tardia, sem importância, talvez até inútil, tomo a iniciativa de balançar esta inércia, de chacoalhar esta modorra impertinente que obscurece o óbvio; deste comportamento criminoso que desconhece as evidências de quaisquer tentativas de aproximação; deste desconforto que gera um escudo invisível incapaz de ser penetrado pelas pessoas que nos amam; que esperam alguma coisa de nós, que nos vêm como referência, como exemplo, que nos aguardam com uma atitude de serenidade, mas não de indiferença; de liderança, mas não de despotismo; de compreensão, mas não de piedade; de um afeto que não seja piegas de um envolvimento que seja apenas humano, de homem para homem, se preferirem, com a devoção que os laços sanguíneos perdoam e redimem, assim, penso, estou de peito aberto, fazendo voltas para dizer simplesmente que amo vocês, e você guri, ainda mais, porque dentro desta mesma solidão que abraçamos, é quando nos entendemos, meu filho!

(texto publicado originalmente no jornal "A Notícia", suplemento cultural "Anexo", pg. 03, Joinville (S) em 31/10/08)

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