11 novembro 2008

O FRACASSO DE UM SONHO

Por Olsen Jr.

Tive um sono agitado. Saí da cama com vontade de ser criança de novo. Pode parecer um absurdo, não se você for um poeta. Ser criança significa não ter responsabilidades com o futuro, porque ele chega aos poucos, sem pressa. Segundo Einstein “O futuro chega há exatamente 60 minutos por hora”, não contenho o riso. Ser criança é não ter compromissos além daqueles que te prendem a atenção no momento. Aliás, quanto mais ocupado melhor. Chove lá fora e por isso, no meu sonho, tinha muita chuva.

Os relógios aqui em casa estão voltados para a parede, descobri que a constatação da passagem do tempo me faz mal. Qualquer dia farei a mesma coisa com os espelhos.

Pego uma frigideira e penso em fazer uma rabanada, fatias douradas segundo alguns livros de artes culinárias, ou para o cínico que habita em mim, apenas um pão seco cortado em fatias, embebido no leite, passadas no ovo com açúcar e canela, fritas e deixadas escorrer em cima de um prato raso com papel para absorver a gordura. Um café preto forte e se tiver um mel, melhor. Era o que minha mãe faria. Sempre penso nela quando a solidão parece me engolir aos poucos. Descobri uma lata de “Pure Maple Syrup”, um presente do meu filho quando veio dos Estados Unidos. Segundo ele, uma iguaria descoberta pelos índios, disputadíssima em Vermont. Agora lembro a música “Moonlight in Vermont” com Ella Fitzgerald e Louis Armstrong que estava ouvindo quando recebi a notícia da morte do amigo Olívio Lamas...

Deus! Um indivíduo tão impregnado de memória não pode ser feliz. Enquanto vou preparando tudo, também penso no sonho. As imagens estão vivas... Era uma cidade do interior, pequena, o restaurante aconchegante. Tinha uma mulher comigo, era bonita, inteligente e estava elegantemente vestida. Havia um encantamento no ar. Ela gostava da palavra “encantamento”. Pedimos algo para comer, aceitamos a sugestão do garçom, depois um vinho tinto. Não lembro a marca, mas foi ela quem escolheu. Bebíamos olhando um para o outro. Era uma sensação boa esta de não conhecer ninguém ali. Este ar de independência de pessoas que se bastam produz uma aura que parece isolar o restante do mundo. Estava me sentindo assim. Perto da meia-noite saímos. Lá fora chovia e tive vontade de abraçá-la, mas algo me impediu. Depois aquele guri se aproximou, vinha empurrando uma bicicleta. Disse que não queria dinheiro, apenas que alguém comprasse uma lata de leite, um pacote de fraldas... Tinha mais alguma coisa que não lembro, dei cinco reais. Vi a angústia nos olhos do sujeito, afirmou que preferia que eu comprasse as coisas, depois se conformou afinal aquele dinheiro já era algo para começar.

No hotel, ela foi para o seu apartamento e combinamos de tomar café juntos. Depois que ela subiu, pensei no guri. Aquela imagem dos olhos suplicantes, misto de ansiedade e desespero, estava me aniquilando. Pego a chave e guardo-a no bolso. Digo na portaria que vou dar uma volta. Saio sob aquela chuva intermitente. Olho para os lados tentando descobrir um garoto empurrando uma bicicleta. Contorno uma quadra, e outra, e outra... Depois retorno. Estou triste, era como se tivesse que carregar as dores do mundo. Algo dentro de mim buscando um sentido.

Se ao menos tivesse dito que a amava, penso, mas nem isso, semelhante a um personagem de algum livro não escrito, me limito em exclamar: não fiz nada, mas somente Deus sabe o quando isso me custou...

Curioso lembrar tudo isso enquanto estou fritando essas fatias de pão, pelo menos nos sonhos ainda acontecem coisas ou não!

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