13 março 2009

CARTA A SILVEIRA DE SOUSA

Por Olsen Jr.


Caro amigo:

Não fosse pelo cidadão íntegro, igualmente, pelo grande escritor brasileiro (catarinense é um detalhe) que você é, talvez eu não desse importância ao fato. A verdade é que desde que li a tua entrevista algo está roendo as minhas entranhas. De tal maneira isso está me incomodando que, sob pena de não fazer mais nada, decidi te escrever.

A par de cumprimentá-lo por dar início ao que se espera, seja uma longa sequência com escritores catarinenses, também pelo equilíbrio e sensatez de muitas respostas para questões que poderiam induzir facilmente ao pernosticismo, mostrando ainda que a passagem do tempo lhe acrescentou ao talento, uma cordialidade capaz de tornar a vida, de fato, digna de ser vivida.

Isso posto, com a mesma sinceridade e clareza que movem os justos, desejo fazer algumas observações.

Logo que mencionaram o teu cachorro “Pingo” acreditei que se criaria um clima semelhante aquelas entrevistas idealizadas pelo jornalista George Ames Plimpton e publicadas na famosa The Paris Review, a partir de 1953, em que se descrevia o cenário onde o escritor se encontrava e dois jornalistas (eles trabalhavam sempre em duplas) em várias sessões dissecavam a vida e a obra do entrevistado. Mas não foi o que aconteceu.

A primeira dessas coletâneas publicadas em livro foi no final daquela década e trazia nomes como Mauriac, Faulkner, Simenon, Moravia, Capote, Pound, T. S. Eliot, Huxley, Hemingway, entre outros. A Editora Paz e Terra publicou aqui cinco anos depois, republicou no início da década de 1970 e depois a Cia. Das Letras editou mais dois volumes no final dos anos 1980, acrescentando mais escritores.

Lá a revista era feita por americanos e para a população que falava inglês e morava em Paris. O primeiro escritor entrevistado foi E. M. Foster que exigiu as perguntas antecipadamente para poder meditar com vagar sobre elas. Claro, em função das respostas dadas se faziam novos questionamentos, mas tudo obedecia a um roteiro que estava calcado na obra do escritor entrevistado, era a sua essência e nem poderia ser diferente.

Sim, tinha bastante humor e descontração nos bate-papos. Falava-se dos personagens, como eram criados, como eram nomeados, como nasciam as histórias, como eram desenvolvidas. Falava-se dos “bloqueios” da criação, do tempo que se gastava para escrever um conto, um romance. Das motivações de cada um, se comparavam os vários autores com outros que lhes eram contemporâneos. Das influências e ninguém tinha “pudores” para nomeá-las e falar delas. Da convivência entre os autores, das influências ou não da crítica, dos simbolismos e das metáforas, do que estava dito ou implícito. Como era a “rotina” de um escritor.

Quando se terminava de ler aquelas conversas, se tinha um quadro bastante amplo da vida, da vivência, da arte, do estilo e principalmente, do que se constituía a obra de cada um.

Meu caro Silveira de Sousa, você começa logo afirmando “nunca me senti um escritor”, sei que está dito num contexto, mas não deveria haver exagero nem mesmo na moderação, você poderia falar da tua obra. Gostaria de saber, dito por você, tudo o que outros escritores já disseram sobre seus próprios livros. Se não te perguntaram sobre a literatura catarinense, você deveria ter falado mesmo assim, sabe por quê? Porque se nós não gostamos do que fazemos, não temos o direito de exigir que ninguém mais goste.

Foi por isso que decidi te escrever, porque sou um admirador da tua literatura e no bate-papo não se falou sobre ela. Nós só vamos sair dessa pasmaceira barriga-verde quando nos enxergarmos com “espírito crítico” porque o primeiro passo para a cura é sempre admitir a doença... E a “nossa” enfermidade ainda é ter vergonha se sermos escritores catarinenses.

Despeço-me com um forte abraço.

Um comentário:

  1. Sérgio Rubim, salve!

    Parabéns pela ilustração (pegou pesado, está duca) aí na crônica...

    Também pela foto dos "fundadores" do JSC, alguns continuam meus amigos, igualmente...

    A História do "Gago" (que você já me contou e o Valdir Alves, igualmente) poderia - se você se aplicar - ser publicada em capítulos é tragi-cômica, fazer o quê? ...

    Um abraço fraterno do Olsen Jr.

    ResponderExcluir

Desove sua opinião aqui