02 setembro 2008

Jornalista não é deus

De Ricardo Noblat em seu blog hoje: "Escrevi, hoje, no post "Lula foi rápido no gatilho" que a mídia deveria refletir sobre a conveniência de publicar conteúdo obtido por meios ilegais. Grampo feito sem autorização da Justiça é crime. Deve ser denunciado. Mas está certo transcrever uma conversa criminosamente grampeada?

Alguns leitores me cobraram mais explicações a respeito.

Segue um dos capítulos do meu livro "A arte de fazer um jornal diário" publicado pela Editora Contexto. Acho que ele resume melhor o que penso sobre o assunto.

"O Correio Braziliense deixou de publicar algumas reportagens que produziriam grande impacto entre os leitores desde que adotou seu Código de Ética.

Quer dizer que o código impede em determinadas circunstâncias que se publique reportagens capazes de repercutir intensamente? E de vender jornal?

A resposta é sim. E a razão muito simples: em alguns casos, o repórter só obtém informações se deixar de lado o comportamento ético ditado por códigos profissionais ou por sua própria consciência. A ética deve prevalecer até mesmo sobre a obrigação que tem o jornal de revelar o que possa interessar ao leitor.

Um dos artigos do código do Correio, por exemplo, proíbe que o jornalista publique informações obtidas por meios considerados fraudulentos. Um desses meios é ter acesso a informações fazendo-se passar por outra pessoa. Ou negando que seja jornalista. É uma prática corriqueira na imprensa brasileira. E em grande parte da imprensa mundial.

A pretexto de que o interesse do público está acima de tudo e de que a imprensa existe para informá-lo, jornalistas roubam documentos, se apresentam sob falsa identidade e gravam conversas às escondidas. Jornalistas que agem assim se consideram acima das leis.

Em agosto de 1998, a repórter de uma revista de circulação nacional testemunhou a confissão de vários crimes feita por um suspeito diante dos advogados dele. Confissão protegida, pois, pelo sigilo que resguarda as informações dadas por uma pessoa a seus advogados.

O suspeito não sabia que entre os advogados havia uma jornalista. Até aquele momento ele negara à polícia a autoria dos crimes.

Pressionado depois pelos policiais e informado de que a confissão ouvida pelos advogados se tornaria pública dentro de algumas horas, o suspeito finalmente confirmou tudo.

Num caso como esse, justifica-se o procedimento usado pela jornalista? Foi legítimo? Foi ético? Valeu a pena o ardil? Qualquer ardil vale a pena?

A televisão costuma apelar para o uso de gravadores e câmeras escondidos que registram diálogos entre bandidos e jornalistas, esses quase sempre fingindo interesse em comprar alguma coisa dos primeiros. Se o telespectador não reconhecer o jornalista e sair da sala antes que fique claro quem é quem, poderá imaginar que assistiu a um diálogo entre dois bandidos.

Costumamos dizer que enquanto médico pensa que é Deus, jornalista tem certeza.

Jornalista não é Deus. Não está dispensado de respeitar a Constituição e as demais leis do país. Não tem mandato conferido por ninguém para atuar ao arrepio de códigos e normas socialmente aceitas.

A denuncia de um ato criminoso não justifica uma prática criminosa."

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