04 setembro 2008

Proibição do livro-bomba

Artigo publicado hoje no Diário Catarinense

Os cidadãos, titulares do poder, são livre para criticar e acusar seus governos. Livros assim não admitem ordens de banimento, mesmo provisórias, sob pena de comprometimento da democracia

Por João dos Passos Martins Neto*

Uma liminar proibiu a publicação do livro A descentralização no banco dos réus. Segundo consta, a obra denuncia desvios de conduta de agentes públicos estaduais. O fundamento da decisão é a necessidade de prevenir a violação à reputação de um personagem secundário que, dizendo-se ofendido, propôs a ação. A Constituição repudia o sistema de licenciamento prévio (art. 5º, inc. IX). Não se discute que juízes possam responsabilizar a posteriori mensagens lesivas de direitos. Já não é tão certo que possam interferir antecipadamente, proibindo publicações. Mas mesmo admitindo que a vedação da censura prévia somente se dirija ao Poder Executivo e busque impedir o controle ideológico do discurso, a intervenção judicial requer sempre mais do que razões precárias.
A violação da honra raramente é aferível sem um processo judicial completo. Há questões complexas a enfrentar. Juízos liminares não permitem valoração e apuração concludentes, nem são abertos ao contraditório pleno. A interdição de publicações ameaça tão intensamente o valor da expressão que só é plausível perante agravos extraordinariamente nítidos. Em regra, quando a alegação é de violação à honra, a controvérsia deve seguir a via ordinária da verificação posterior da responsabilidade, civil ou criminal. Um livro cujo sentido objetivo é delatar atos de corrupção atende à razão principal da proteção da palavra. Realiza o valor supremo em função do qual a expressão é estimada, a soberania popular. Os cidadãos, titulares do poder, são livres para criticar e acusar seus governos. Livros assim não admitem ordens de banimento, mesmo provisórias, sob pena de comprometimento da democracia. É desproporcional impedir que eles circulem em função de meia dúzia de referências laterais ainda dependentes de análises e provas. O interesse prejudicado não é só o do autor, mas da imensa legião de leitores aos quais é sonegada a possibilidade de conhecer e julgar o teor da história silenciada.

* O autor é graduado em Jornalismo e Direito, Mestre e Doutor em Direito e professor de Direito Constitucional. É autor do livro Introdução à Filosofia Política de Thomas Hobbes.

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