29 novembro 2008

Blumenau em minha mente

Blumenau: enchente de 83

Por: Olsen Jr.

Foi aquela fotografia no jornal, reproduzida em vários blogs, que me deixou prostrado. A imagem era da Rua Presidente Castelo Branco, mas que a população consagrou como Beira-Rio. O mesmo nome do estádio do Internacional, mas na hora não pensei em futebol. A água já tinha saído do leito do Itajaí-Açu e invadido a avenida. Do ângulo que foi batida dava para perceber uma ponta da cerca de ferro que margeia o rio e lá no fundo, a ponte metálica ao lado da prefeitura.

Meu pai nasceu em Blumenau, meus dois filhos também. Embora eu tenha cortado o cordão umbilical quando transferi o domicílio (eleitoral também) para a Ilha, meu coração ainda está lá.

Num dia qualquer da década de 1970, quando “mudar o mundo” ainda parecia possível para um jovem sonhador e idealista, poeta além de tudo, com a clara consciência de que carregava o peso das dores desse mesmo mundo sobre os ombros, na sacada de um bar chamado Blumenthal onde funcionara outrora a tradicional Confeitaria Tönges, quase em frente da catedral, com portas para a Rua 15 de Novembro e para a Beira-Rio, num guardanapo sobre uma mesa lá fora, fiz o poema:

De Bar em Bar

Eu, homem, animal, sou parte integrante

Deste grupelho de estranhos ares,

Que vagueia em esquisitos vagares,

Como na história o cigano errante.


Procuro e espero igual à bacante,

À noite, sem destino, pelos bares,

Nos prostíbulos e nos lupanares,

Tendo apenas um copo como amante.


Vejo ali a angústia de todos os seres,

Somadas com a minha, num reflexo

Único, de muitíssimos viveres.


E neste conciliábulo mundano,

Pelos botecos da vida, confesso:

É solitário que me sinto humano!

O Blumenthal era administrado pelo amigo Horácio Braun. No segundo andar, na entrada do bar havia um mural com um convite chamado carinhosamente de “Recadjinhos” e todos os habitués se comunicavam por ali, horários, encontros, reuniões, enfim, e o poema que escrevi no guardanapo foi posto lá e permaneceu lá durante muitos dias, até desaparecer.

Outro dia estava procurando o livro “Nunca te vi, sempre te amei” (84 Charing Cross Road) de Helene Hanff, num sebo na Rua 15, em Blumenau, quando sou interpelado por uma senhora (foi o que me pareceu) ela pergunta se sou o “fulano”, digo que sim, então indaga “lembra de um poema que você fez num guardanapo lá no bar do Horácio?”. Confirmo com a cabeça e acrescento, faz muito tempo. “Mais de 30 anos”, afirma... Está emoldurado lá na minha casa. Segue-se um silêncio, depois ela me abraça e pede “você me perdoa?”. Digo que está em boas mãos, então se despede e sai.

Curioso aquilo tudo, ela tinha sido uma mulher muito bonita, mas não a reconheci na hora. Ao fim e ao cabo, é a beleza interna que fica. Estava lembrando que permanecia no Blumenthal, muitas vezes, somente eu e o Horácio, tomando chope e ouvindo Ray Charles, a música “I can`t stop loving you”. Ouvíamos aquele disco dezenas de vezes. Tínhamos uma sintonia muito grande, em silêncio, cada um pensando na sua própria história, nos amores perdidos, no que deveria ter sido e não foi. No final, pretendia escrever o grande livro que projetei escrever e ele, construir o bar que gostaria de freqüentar.

Mas agora, aquela fotografia sobre a mesa, ninguém tinha domínio sobre a natureza, nem aquela que transbordava da página do jornal e nem a nossa própria por ser testemunha daquela tragédia. Blumenau de tantas alegrias e Blumenau de muitas dores, era sempre a mesma cidade em minha mente, seja naquela afirmação, parodiando Drummond, “...Apenas uma fotografia...Mas como dói”... Ou mesmo que não more mais lá, mesmo que muitos dos meus amigos já não possam ser encontrados lá, ainda assim, como na música do Ray Charles, preciso fazer essa confissão: “Não consigo parar de te amar”!




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