20 novembro 2008

A caixa mágica

Ontem fui até a Unisul, na Pedra Branca, gravar uma entrevista para a TV da universidade. O convite foi do estudante da quinta fase de jornalismo Luis Carlos Padilha. O assunto: mídia impressa e mídia digital. Preparei algum material mas confiei no meu HD. Embora bastante usado ainda retém informações e guarda uns tantos milhares de arquivos. Só que na primeira pergunta do meu entrevistador comecei a responder sem pensar no que havia preparado. Fui relembrando coisas da minha infância e, enveredando por uma estrada do passado fui redescobrindo imagens, lembranças, e acabei contruindo um relato espontâneo e revelador para mim mesmo.

Me perguntou, o Padilha, de onde vinha a minha verve para o jornalismo?
Lembrei que meu avô, Estevão Flôres, era jornalista. Embora não o tivesse conhecido, ouvia de minha mãe relatos de suas "aventuras" pela fronteira do Uruguai. Uma delas me impressionava sobremaneira. Vovô Estevão era militante comunista e num determinado período da vida teve que fugir para o Uruguai, do outro lado do rio. O PC no Uruguai sempre foi legal só ficando proscrito depois do golpe militar de 1973. Meu avô teve um jornal bilíngue, em Artigas, chamado O Internacional. Façanha que repeti 40 anos depois.

A tipografia
Numa tarde de 1963 sou surpreendido com dois caminhões que estacionaram em frente a nossa casa, em Quaraí. Começaram, ao comando do meu pai, a descarregar máquinas impressoras, guilhotinas, picotadores, cavaletes com gavetas tipográficas e mais uma variedade de equipamentos impensáveis naquele meu universo aos 8 anos de idade, lá em Quaraí, o começo do mundo.
No meio de tudo uma caixa atraiu a minha atenção. Quadrada, 1m x 1m, tinha 15 cm de altura. No meio de tanta agitação, gente descarregado máquinas pesada, ordens e contra-ordens gritadas, rampas de madeira improvisadas onde deslizavam equipamentos de cima do caminhão, cordas e gente diferente. Eu estava fascinado. Andava no meio daquela balbúrdia de um lado para outro como, louco atrapalhando e tropelando as pernas dos trabalhadores. Era uma tipografia. A primeira de Quaraí. Se chamou Tipografia Alvorada.

Não perdia a caixa de vista. Quando a desceram ouvi recomendações para que tomassem cuidado para que não se abrisse. Foi carregada com cuidado e com cuidado encostada, em pé, nos fundos da garagem. A minha curiosidade aumentava ainda mais e eu arrodeava a caixa toda a vez que podia. Perdi a conta das vezes que meu pai me mandava sair da frente pois estava atrapalhando. Era tarde, eu já era parte daquele circo. Já estava misturado a tipos de chumbo com antimônio, galenas, formas, espaçadores, ramas e o cheiro de uma lata que caiu e esparramou tinta vermelha pelo chão da garagem. Ah! O cheiro da tinta. O cheiro da gráfica. Aquele que acompanha todo o impresso até chegar na rua e nas mão das pessoas.

Foram quatro dias de trabalho intenso para montarem as máquinas, balcões, cavaletes, puxar rede elétrica enfim, montar uma indústria gráfica. Numa certa manhã, sabendo que meu pai estava "no porto", era guarda aduaneiro e dava plantão na ponte que faz a divisa ente Brasil e Uruguai, saí do Colégio Brasil na hora do recreio. Corri para casa decidido a abrir a caixa e, finalmente, desvendar o segredo que tanto me atraia. Entrei em casa por um corredor lateral e chegando nos fundos penetrei quase sem ser visto na sala onde estava a caixa. Repousava em cima de um balcão alto para mim. Agora estava maior. Na sua frente, agora, tudo sumia. Os trabalhadores, as ordens, as conversas nada mais se ouvia. Peguei um pequeno banco de madeira, subi e, sem titubear, abri a tramela de metal que trancava a tampa. Levantei-a lentamente como que saboreando aquele momento de descoberta e finalmente surge na minha frente um alfabeto inteiro de tipos Time New Roman de metal dourado. Fiquei estupefato! Cheguei a pensar que eram de ouro aquelas letras encrustradas em tacos de madeira com 7cm x7cm. Eram de cobre. Mas era um tesouro. A partir daquele momento, o meu tesouro. Esteve comigo ontem à noite na Unisul.

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Um comentário:

  1. Mô Caro,

    quando me perguntaste na sexta-feira sobre a tua 'caixa' contada em prosa pros jovens besouros da Unisul, papo reproduzido em 'verso' aqui, não tive coragem de comprometer a 'sobriedade' e dizer que 'nossas caixas' - de todos nós - guardam corês que não desbotam... lembrei de minha mãe e do sótão na `casinha`de madeira com uma biblioteca 'escondida' de meu avô, um alemão de olho cinza claro, quase transparente que cultivava orquídeas e frutíferas... possível catarse redentora de um sacaneado como poucos pela vida (não conheço alguém que tenha sido mais que ele)

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