22 novembro 2008

SOZINHOS NO BALCÃO

Por: Olsen Jr.

Foram mais de dez anos brigando para conseguir aquela nesga de espaço ali no balcão. As dimensões eram mínimas, cerca de 60cm de comprimento por 20cm de largura. O que ficou conhecido como o “meu terreno” na praia, suficiente para uma garrafa de cerveja, um copo e talvez um kit (criado pelo Horácio Braun e o Levi Bini) para o steinhaeger. Às vezes também pedia um “tira-gosto”, mas era raro. Sempre em pé, fácil de entender o aparente desconforto, mas descobri que “os chatos” não suportam ficar em pé, então podia permanecer sem ser incomodado e sem atrapalhar ao vaivém dos garçons. Os domingos são agitados. Dia de “fazer média” com a família. Está certo sou um cínico, mas é assim que vejo tudo. É quando se traz a mulher, os filhos, o sogro, a sogra e alguma visita que se quer “impressionar” ou que não se demore muito. O restaurante parece um “abelheiro”, uma algaravia, uma Bizâncio revisitada, essa é uma das diferenças entre um lugar de “classe” e outro. No primeiro você não houve o que se diz na mesa ao lado, e nesse você ouve tudo sem entender nada, porque todos falam ao mesmo tempo. O servo tudo àquilo como se estivesse assistindo a um filme já visto. Criança não combina com bar ou restaurante, da mesma maneira que, como lembrou o comediante Robert Benchley “Só há duas espécies de viagem: em primeira classe e com crianças”. Tenho de rir torcendo para ninguém me estar espiando, afinal para quem vem de fora “estou rindo do quê?”. Foi quando o percebi no balcão, um pouco intimidado, pedindo um copo de vinho tinto. Uma prática ali, vender o vinho em copo. Se fosse um intrometido diria para ele que aquele vinho era uma zurrapa (boa essa, hem, aprendi numa palavra cruzada ou repetindo a minha mãe “talvez, na falta de outro, pudesse ser usado para fazer um sagu correndo o sério risco de estragar a receita”. Emborcou logo meio copo e depois limpou os lábios com as costas da mão. “Huumm! Penso, tem estilo”. Ele sorri e pergunta de que lugar do Rio Grande do Sul eu venho. O uso da camisa do Internacional nos finais de semana, às vezes, produzia aquela confusão. Digo que sou de Chapecó, tchê! Só para ver a sua reação. Na verdade começamos um bom papo, ele um gaúcho de passagem pela Ilha, já avô, no alto dos seus 83 anos, com a família toda ali, em uma mesa próxima. Mas, depois de uns dez minutos, a filha dele veio buscá-lo. Fui apresentado, mas ela sequer se dignou em estender a mão. Ele estava contrariado e se despediu a contragosto por ter de abandonar alguém com algo em comum, além do balcão e do clube, para conversar. Limitei em exclamar que um homem deveria ter o direito de permanecer em frente de um copo sem precisar dar explicações. Depois que ele se afastou para ir ao banheiro, a. filha que já tinha ido sentar, voltou para me dizer que o pai “era alcoolista e se começasse não parava mais”, me deu as costas e foi para o seu lugar. Também lhe dei as costas. O velho quando retornou do banheiro, parou ali e emborcou o restante do vinho, me estendeu a mão novamente, tentou sorrir, percebi que lhe faltavam mais da metade dos dentes, e se afastou para perto “deles”, bonito isso, repito para mim, “se afastou para perto deles”, a velha solidão em família.

A filha deve ter feito algumas observações genéricas sobre os tais alcoolistas, eu prefiro dipsomaníaco, ou melhor, ainda, boêmios errantes (lembro do livro do John Steinbeck “Tortilla Flat” (no Brasil, traduzido como “Boêmios Errantes”) tenho de rir, afinal, sejamos francos “não importa para onde se vá, sempre haverá um balcão em algum lugar e onde estará alguém capaz de entender que um homem no alto de seus 83 anos tem todo o direito de beber em paz sem precisar dizer: já vou, espere um pouco, ou esse copo é o último. Porque, provavelmente, o cara vai responder: estou saindo e não precisa esperar porque só vou tomar a saideira!

(Texto publicado originalmente no Suplemento Cultural do Jornal“A Notícia”)


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